Estacionamentrô

Próxima estação: o sub sub-mundo

     Não sei se você lembra, mas na adolescência, somo presenteados com um combo de humilhação: problemas de pele, hormônios no talo, falta de habilidade social e pra dar um toque final, um aparelho.
    
De um lado, a natureza em forma de dente crescendo com sua imperfeição e de outro, a tecnologia da raça humana colocando tudo sobre controle. E, no meu caso, a comandante superiora do lado da humidade era Dra. Marta, uma mulher ala napoleão: baixinha, raivosa e que parecia gostar muito de religião, pois da sua boca saia: “nossa Senhora da ortodontia”, “Meu Jesus de siso”, toda vez que eu mostrava meu campo de batalha – ela até comprou uma broca de furar asfalto só minhas visitas. Uma fofa.
    
Até então, eu costumava ir e voltar do consultório pelo melhor meio de transporte do mundo: caronas de mamãe.
    
Mas nesta quinta-feira tudo muda quando os deuses do céu – da boca – fazem a podóloga de minha mãe coincidir com a minha visita ao consultório. Só me resta voltar do jeito que minha mãe instruiu: “toma um taxi na frente do consultório e vai até a estação Ana Rosa, a última da linha azul. Lá, pega a linha verde no sentido Vila Madalena. Não tem baldeação. Só tem um caminho possível! Entendeu?”. Respondo: “entendi!”. Não sei o porquê, mas ela se mostra desconfiada: “mesmo?”. Respondi com firmeza “Não tem como dar errado.”
    
Depois de fazer Dra. Marta repensar muito sua carreira transformando o arame do meu aparelho em arame farpado, vejo que só tem um taxista do ponto. Falo com ele, mas ele diz que não. Argumento que é rápido. “Não”. Falo que era perto. “Não” de novo. Até tento suborná-lo com duas balinhas de melancia, e aí ele me manda pegar um taxi na rua porque estava esperando cliente – mais tarde, descobri que ele que pegaria daria carona pra uma uma garota de programa e ele seria o cliente.
    
Apesar de ser fácil para um cara branco pegar um taxi avulso – já pedi um pra atravessar a rua e o cara aceitou – ainda não existe waze, então, me resta aceitar o caminho superconfiável do motorista que cruza ruas pequenas e isoladas com um papo agradável: “bom, uma vez sequestraram alguém ali, sabe?!…Sabia que tem muito taxista que não é de confiança… Pra sumir é assim…um…dois…”.
    
Não dá tempo pra pensar muito sobre o assunto, uma vez que estou bem atrasado para um ver um episódio novinho em folha de Dragon Ball Z. Assim que desço do taxi, corro para a estação, passo o bilhete único mais correndo ainda e sorrio quando vejo vagão vazio com as portas se fechando. Entro no último segundo.  Da plataforma, vejo uma mulher apontando para mim, mas o sinal de partida do vagão a impede de ouvi-la.
     Quando o vagão para e percebo um lugar totalmente escuro, silencioso e sem sinal de celular, só um pensamento cruza minha cabeça: “é hoje que aperto o botão de emergência”. Dou um soco lateral no plástico que protege o virgem e brilhante botão vermelho e o aperto. As portas se abrem fazendo eco. Guardo o plástico no bolso e saio. Como minha única opção do que fazer acaba, só me resta olhar onde estou.
    
Posso ver as lâmpadas velhas balançando no teto, rangendo baixinho como unhas na lousa. Parece que conversam umas com as outras. Aos meus pés, uma plataforma cumprida e curta, onde esticando meus braços, encosto nos dois metrôs ao mesmo tempo. Olho pra frente e percebo: estou sozinho no estacionamento do metrô.
    
Mas, quando paro pra pensar, há uma pessoa que também deveria estar naquele lugar, o maquinista. Decido ir atrás dele seguindo pelos vagões.
    
Naquele lugar, onde os olhos e nem a luz do sol alcançam, as coisas são sinistras e percebo isso em cada vagão que cruzo. Tinha o dos funcionários crossfiteiros, o vagão da banda do metrô, um só pra rappers de vagões e até um só pra aquelas pessoas perfeitas que você apaixona nas estações.
    
Chego no fim do caminho e há uma porta vermelha. Giro a maçaneta devagar. Ouço um “tec” que marca que a porta está destrancada. Termino de gira-la e me vejo em um espaço enorme. Meu chão se multiplicou em 4, ainda pequenos, e agora, vejo vagões acabados, pichados e com centenas de pombos em cima deles. “o cemitério de vagões” – falo pra mim mesmo.
    
De repente, toca no meu ombro um cara grande, com uniforme azul e o crachá escrito “operadora de trem”. Ao contrário de ruas roupas perfeitamente arrumadas, seus pensamentos estão bagunçados.
    
– Assim….como…você…aqui? – ele me diz. 
     – Eu me perdi. Tava com pressa pra ver Dragon Ball Z – respondo sem pretensão.
    
– Você tem que vir comigo! – e me guia pelo caminho que vim.
    
Reparo que as pessoas que cruzei estão nos mesmos lugares só que com algo diferente. Ao invés de serem crossfiteiros, músicos e gente bonita, são faxineiros de uniformes limpando vagões.
     – Mas aqui não havia… 

     – Não há nada garoto, só funcionários me metrô – ele me interrompe com uma voz estranha e logo muda de assunto – Você disse Dragon Ball Z? 
     – Uhum – Com a cabeça fiz que sim. 
     –  Já reparou como o nome do episódio é um spoiler do próprio episódio? Não perca o próximo episódio “Goku vira Super Saiyajin 3” ou então “Namekuzei explode”.
    
–  “Goku Morre!” 
    
– Exatamente! – ele se animou.
    
– Isso poderia servir pra nossa vida. “Você vai ter um dia ruim, um dia bom”
    
– E já tem! No horóscopo – paramos de andar – chegamos!
    
Estamos no primeiro vagão, na cabine. Nela, o maquinista me oferece um copo d’água, me apresenta tudo inclusive seu companheiro metrôzinho de pelúcia, e pergunta pra onde vou. “Vila Madalena”, eu respondo. Ele se fecha na cabine pra me levar até lá, mas antes diz: “senta aí que o caminho não tem erro” Pois é motorista, é o que achei da primeira vez.  E me despeço da aventura.  

One Reply

  • Ja tinha lido o Estacionamentrô e achei um rolê mega paulistano, né! Acho que quem já morou em sp super se identifica e imaginei vc criança vivendo essa aventura no metrô, tem inocência e graça ao mesmo tempo. Essas referências que vc usa tipo Dragon Ball Z me batem uma nostalgia🥺

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