Na noite, não existe maior pesadelo do que ficar longe da cama
Olho para o celular para confirmar que o bar do aniversário do Fernando, meu chefe, fecha exatamente à meia-noite. Uma ótima notícia para mim, que estou com duas baterias fracas: a do celular e a social. Já são 22h quando desço do Uber e me deparo com um bar ao ar livre que serve drinks afrodisíacos em mesas grandes e rústicas. Logo, vejo um grupo de pessoas de diferentes idades, mas nenhuma que conheço, afinal, dos funcionários do aniversariante, só eu dei as caras.
Vou ao encontro do meu chefe, converso um pouco com ele e circulo pelas rodas: a dos amigos, a dos sócios, da família… Um tempinho depois, o bar começa a fechar e as pessoas vão embora. A prima do meu chefe passa se despedindo e perguntando quem quer carona para o metrô. Um grupo se dispõe a ir junto. Admito que é uma oferta tentadora, uma vez que o metrô fica perto da minha casa, mas como minha bateria social ainda está bem, eu digo que não. E a segurança da minha negativa vem baseada num plano infalível: desliguei o celular com bateria suficiente para eu ligá-lo no futuro e pedir o Uber.
O bar finalmente fecha, só sobrando eu e os inimigos do fim: meu chefe, o sócio dele, uns amigos da praia e a avó. Todos discutem onde fazer o “after”. Enrolação vai, enrolação vem, decidem por um bar 24 horas. Uma ideia totalmente apoiada por mim, afinal, o bar fica 2 minutos mais perto da minha casa.
Sentamos numa mesa, o álcool entra, verdades, histórias e risadas saem, e assim foi até a hora em que me levantei e saí de fininho – na verdade, minha hora já tinha chegado há um tempo, mas entenda que sou uma pessoa que enrola muito, muito mesmo para ir embora.
Acredito que saí na hora certa, uma vez que minha bateria social está na emergência e começo a sentir um vento frio batendo nas canelas. Ando até a esquina e percebo que a tecnologia me sabotou, pois meu celular está com apenas 5% – 7% a menos do que eu tinha deixado ao desligá-lo. Na prática, meu celular se desliga no momento exato em que abro o app do Uber. Não me desespero, porque vejo uma nova chance: o hospital.
Lá estava ele, todo brilhante, bem localizado, com uma avenida cheia de táxis passando na frente. Vou à entrada do hospital, respiro fundo, levanto o braço e aceno para os táxis. O primeiro passa reto. O segundo está com passageiro. O terceiro grita “usa o aplicativo”. Fico ali por 1 hora e meia, já acenei para 10 táxis e nenhum parou.
A noite começa a esfriar mais. Então me surge uma nova ideia, um último plano. Vou até a pizzaria e pergunto: “se eu pedir para entregar uma pizza para minha casa, vocês me levam junto na garupa?”. Infelizmente, ninguém aceita.
Já são 2 horas da manhã quando, morrendo de frio, desisto enquanto a voz da prima oferecendo carona reverbera na minha cabeça. Balanço a cabeça e de repente, vejo, ao meu lado, um orelhão. Um milagre, provavelmente um dos últimos da Terra ali do meu ladinho. Penso “só ligar para os meus pais e tudo certo, eles vão conseguir me buscar, afinal, não estou tão longe de casa”. Digito os números para uma ligação a cobrar, ouço chamar duas vezes quando alguém atende. Meu coração se enche de esperança:
— Alô, aqui é o Pedro… – digo, cansado.
— Já conheço esses golpes de sequestro. Agora, me deixa dormir em paz – meu pai diz e desliga.
Ligo de novo algumas vezes e só dá ocupado.
“Quanto trabalho só para ir para casa”, eu penso enquanto choro internamente.
Nesse momento, uma lembrança cruza minha mente e me lembro que meu antigo trabalho não ficava muito longe dali. E nessa agência, o mais comum era o segurança esperar algum infeliz que trabalhava até tarde. Com as pernas duras do frio, sem casaco, vou andando e olhando para todos os lados para não ser assaltado. Até que chego no portão. Bato lá. O som ecoa pela agência escura. O vento sobra lá de dentro. E ouço uma voz vindo do interfone:
— Aqui não é ONG, moleque!
— Não não, aqui é o Pedrão.
— Ô Pedrão, meu brother, como tá?!
— Tô com frio.
— É tá gelado aí mesmo, Deus me livre ser você.
— Então, Jorjão, eu tava precisando de um ajuda sua: pode pedir um Uber pra mim, juro que te pago carregando meu celular.
— Sabe o que é, meu, tá foda. Eu também tô na dureza. Aliás, você não tem um dinheirinho para me emprestar, não?
— Tô falando sério, Jorjão. Me ajuda aí. Pelo menos me deixa entrar.
— Não rola, você não trabalha mais aqui.
— Mas eu saí semana passada.
— Pois né?! O seu Fábio disse que ex-funcionário não entra aqui sem autorização.
— Ele também dizia que você não podia fumar aí dentro.
— Tô mudado, tá bom. Agora eu sou um funcionário exemplar.
Eu reviro os olhos ao ouvir isso.
— Vai, me ajuda aí.
— Olha, não consigo, preciso voltar pra minha soneca, digo, trabalho – e desliga.
Toquei outras vezes no interfone e nada. Pensei: ele deve ter ido “trabalhar” em outra sala.
Eram 4 horas da manhã com 15 graus, quando reapareço no bar 24 horas e encontro todos ali felizes e bebendo.
— Ué?! Onde é que você tava? Pensei que tinha ido embora” – a avó do meu chefe pergunta com uma fala torta.
— Fui ao banheiro – respondo.
Não sei se não ligavam ou se apenas estavam bêbados o suficiente para acreditar em qualquer coisa, mas eles levaram na boa. Continuei:
— Bom, mas já vou embora, se alguém puder pedir um Uber pra mim, eu agradeço, porque meu celular acabou a bateria e ninguém no bar tinha carregador.
Meu chefe se oferece, mas antes de me dar o celular dele, diz:
— Nem precisava falar com o pessoal do bar, se quisesse ir embora, só ter me dito.