Adriana

No desemprego e no desespero, a gente vai atrás de qualquer oportunidade. Até as que não conhece.

           — Tudo bem ser às 10h30? – perguntei por mensagem.
          
— Vou abrir uma exceção – ela respondeu prontamente.
          E assim marquei uma entrevista com uma tal de Adriana.
           Aparentemente, é uma exceção bem comum, porque tem 34 pessoas na sala. Gente de todos os tipos, vestindo desde terninhos até chinelos e boné.
           Enquanto eu preencho minhas informações em uma ficha, Adriana entra.
          
— Oi, gente, bem-vindos, já queria dar os parabéns a todos vocês, porque foram especialmente escolhidos para uma vaga transformadora e aceitaram esse chamado que vai levar vocês ao sucesso. Vamos começar a transformação!
          
Ela mesma apaga as luzes, puxa um telão sujo da parede e vai até uma mesinha de canto em que fica um computador. De repente, o som da turbina de um avião ecoa pela sala ao mesmo tempo que a tela do Windows XP se inicia no telão. Olhando pra gente com um sorriso amarelo, Adriana dá 2 tapas na lateral do computador e o barulho para. Então ela dá play em um arquivo chamado “apresentação V6”.
          
O vídeo começa com fotos genéricas e uma narração sobre a fundação da empresa. Em seguida, vem um 3D furreca de uma cidade dívida em quadrados. O narrador começa a falar sobre a importância dos corretores para o mundo globalizado – e é aí descubro pra que vaga eu tinha me inscrito – e como eles salvam tantas vidas quantos cardiologistas. Admito que uma parte de mim estava curioso pra ver onde isso ia dar.
 
          Por último, e menos importante, veio a parte dos depoimentos em que vi, “engenheiros”, “médicos”, “advogados” e até “donos de empresa” falando que mudaram sua vida se tornando corretores. Nessa hora, ouço clássicos dos coaches como: “a vontade é o combustível do ser humano”, “o poder da transformação interna” e “diga sim para as ofertas do universo.”
         
Já passaram 30 min – e nenhuma informação clara sobre a vaga – quando a apresentação finalmente acaba com uma música de baladinha topzera. É no ritmo dessa música que Adriana surge do cantinho do computador dançando e anuncia “e agora, nosso fundador: Rogério Winner!”. Um homem gordinho, com algo que parecia uma peruca na cabeça, vestindo blazer jeans e sapa tênis entra na sala dançando e intercalando gritos de “Transformação!” com “uh, uh” animados de nossa querida Adriana; que agora está acedendo e apagando as luzes rapidamente no interruptor para fazer um efeito de balada. No lugar da apresentação, entra um fundo vermelho do logo da empresa que rouba toda a atenção de Rogério, mesmo assim, ele se apresenta e começa seu discurso:
          
— Opa, muito obrigado, muito obrigado. Vamos finalmente ao que interessa…
          
“É agora que vão falar da vaga” – pensei.
          
— …as energias negativas. Hoje em dia, as pessoas carregam muitas energias negativas e elas passam pra você, principalmente, quando você aceita uma oportunidade dessas que estamos te oferecendo.  Por aí, já vi e ouvi muita gente que fecha a porta quando a oportunidade bate. Isso é Bad energy, galera. Vocês têm que fugir disso e dessas pessoas, porque foi numa oportunidade dessas que minha vida se transformou. Até outro dia, eu estava no lugar de vocês, como um corretor, e hoje eu tenho 2 filhos, um de 15 e outro de 18 e os 2 estão em Nova York, estudando – minha mente comenta com si mesma: “devem estar com a mãe”. E hoje, quando vocês chegarem em casa – ele continua – a primeira coisa que suas esposas, filhos, namoradas vão perguntar “E aí, como foi a entrevista?”.  E ao invés de vocês responderem “ah, foi legal”, vocês vão responder: “foi transformador!” – Adriana respondeu com um “uh, uh”.  E já da pra ver no olhar de vocês quem vai ficar aqui e quem vai perder a glória.
           Todos se olham sem entender nada.
          
Para terminar, ele explica um método “inovador” que ele inventou para revolucionar o mercado imobiliário, mas como sou amigo de quem lê meus textos, vou te poupar disso. E assim, Rogério Winner se despede ao som da música da balada e dos aplausos – de você sabe quem – que diz “pode bater palma, gente”. Obedecemos sem muita animação.                Nossa guerreira Adriana fica na frente de todos novamente:
          
— Acho que deu pra entender tudo que podemos oferecer para vocês atingirem o máximo potencial na sua carreira. Então, vamos lá – ela abre um slide com as descrições da vaga – aqui você podem ver que trabalhamos com comissões, que são muito altas, você faz o seu horário, do seu jeito, agenda as reuniões na hora que você quiser e se administra como preferir. Nada melhor que isso, não?!
          
Depois de 1h sem uma brecha para ir ao banheiro, levantar-se ou pelo menos, ouvir algo que me agrade, Adriana me dá uma alforria:
          
— Então, já aviso, se você quer e gosta de um emprego tradicional, CLT, com benefícios, bater cartão e nenhum chance de crescimento. Pode sair, sem nenhum problema.
          
Junto com 15 caboclos, me levanto e Adriana acaba olhando nos meus olhos. Com toda a pena que senti daquela mulher, só consegui dizer uma coisa:
          
— Desculpa, é uma transformação muito grande pra mim e, além do mais, eu também estou com fome.

 

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