Se conselho fosse bom, a gente não bebia.
ㄧ Porque o Bruce Wayne tá sempre triste? Porque ele é o Bad-Man! ㄧ é a primeira coisa que sai da minha boca nessa sexta a noite, ao chegar na despedida do Léo, logo depois de uma menina, de camiseta listrada e jaqueta de couro meio surrada, surgir da multidão e pedir uma piada, sem ao menos se apresentar. Estranhei, pois ela nem deu um gole na cerveja como geralmente as pessoas fazem para lamentar minhas anedotas. “Será que ela gosta desse humor duvidável?” me pergunto e tenho minha resposta, assim que ela ri.
ㄧ Como você pode ver, essa é a Amanda, Pedrinho ㄧ O Gui apresenta sua namorada ㄧ eles estavam juntos há 1 ano e conversavam como namorados, soavam como namorados e agiam como namorados, só não se chamavam assim. Mas vou usar esse título a fim de poupar minhas linhas e minha paciência.
Como na maioria das despedidas, a firma inteira está hoje no Keka ㄧ o bar da esquina é tão frequentado pela agência que tem até apelido e um pombo com nome do dono (da agência) ㄧ, e eu tenho muita fofoca pra atualizar com os outros departamentos, então, esse é momento perfeito pra matar minha curiosidade e conhecer a Amanda pessoalmente ㄧ, pois ela é um assunto constante nos cafezinhos da tarde e nem sempre por uma boa razão. Reparo melhor no look roqueiro com meia arrastão, shorts jeans destroyed e coturno vermelho (isso que dá, trabalhar muito tempo com moda), nas tatuagens coloridas old school decorando sua pele e na bolsa preta com fones enrolados e quase escapando. E pensando bem, combina com meu amigo, que sempre usa jeans e camisetas com referências de bandas ou quadrinhos.
Ela se enturma rápido com a gente: entra nos assuntos aleatórios, diz algumas besteiras e fala mal da agência. Praticamente uma colega de trabalho, que curte o namorado entre piadas e beijos. Aproveito a troca de confidências alcoólicas entre os dois e resolvo pegar outra bebida.
Quando volto pra roda, o casal está em lados opostos. Até aí, é o curso normal das rodas de boteco ㄧ se você reparar, uma roda de pessoas é um organismo vivo, ela se movimenta, diminui, expande, se mistura… tive até um amigo que passou na frente de um bar e foi engolido por uma. O coitado ficou preso por horas e perdeu o enterro da avó.
O que me chama atenção é que as piadas da Amanda se transformaram em respostinhas. A cada 2 frases que o Gui fala, ela manda 1 indireta pra ele ㄧ acho que meu professor de matemática chamaria de Ofensa 1:2. Meu amigo nota e os dois vão para um canto conversar.
Antes de continuar, um esclarecimento: meu intuito como escritor é contar ㄧ quase ㄧ fielmente o que acontece na minha vida. Do mesmo jeito que as histórias de pescador, as crônicas colocam em cheque nossas noções de realidade e ficção. E nessa relação de ㄧ quase ㄧ sinceridade com o leitor, no caso: você, devo confessar que tentei inventar diferentes causas pro começo da briga: ciúmes, bolacha x biscoito, ketchup na pizza, purê no cachorro-quente, terminar a série sem o mozão, dar a resposta errada das palavras cruzadas… mas parando pra pensar, numa briga de bar, ainda mais as do meu amigo, tudo acontece do nada. E é durante a surra no Beer Pong do pessoal do T.I, que percebo o Gui afogando as mágoas na sinuca com a galera da Manutenção, enquanto a Amanda, ao longe, recebe um conselho da mãe no telefone.
Algumas derrotas depois, minha dupla de jogo aplica um golpe de Estado Boteco e me substitui por uma menina do Atendimento. Sendo assim, pego outro drink para prestar mais atenção no cenário ㄧ se você, como eu, tem vivência em dramas de bares e festinhas, vai reconhecer bem rápido a cena que vi. De um lado do recinto, o namorado chorando com os apoiadores a sua volta (um grupo formado pelos departamentos do RTV, Arte Final e Manutenção). Do outro, a namorada indiferente, séria, com sua própria comitiva (a galera das mídias sociais, o Atendimento e umas pessoas que eu sempre vi na agência, mas não tive certeza de que trabalham lá).
Bafafá e cervejas pra todo lado. As meninas do RH circulam entre as 2 rodas para ouvir todas as opiniões e pontos de vista para enfim, reunir os grupos ㄧ um coach que está passando, vê o círculo de pessoas e discursa sobre a meritocracia da física quântica do amor, só que nem o álcool aceita aquela ladainha, então ele vai embora. O casal se reúne novamente, a sós. A expectativa vem acompanhada de uma porção de batata frita. Apenas um detalhe ㄧ e o ketchup ㄧ é esquecido, as meninas têm experiências em desavenças corporativas, nada de bares. A memória disso surge quando vemos as posições invertidas, enquanto lágrimas escorrem da Amanda, o Gui carrega um olhar sem alma.
O climão começou a crescer ㄧ e o limão também, porque pediram a tequila ㄧ até que surge Dra. Leninha, dona do Keka e da clínica de psicologia que fica em cima. São 300 casos resolvidos no consultório e mais de 1.500 no balcão. O bar para com seu assobio ao longe e começa um murmurinho de esperança. Chego até a ouvir um coro de pensamentos: “se tem uma pessoa que dá bons conselhos para casal e vai salvar a sexta, é a Leninha!”. Imediatamente, um garçom limpa uma mesa e coloca uma Heineken gelada ㄧ Leninha não está pra brincadeira.
Gui e Amanda vão até o divã, conversam com Dra. e ao redor, pessoas disfarçando ㄧ bem mal ㄧ os olhares para o drama da noite. Ao fim de 40 minutos, Leninha olha para a plateia, gesticula um “Caso Perdido” com cabeça e volta ao balcão para o paciente das 23:30.
Sem saber de nada, a Lu surge da agência. Sem maquiagem e brincos, olheiras à mostra, cabelos coloridos e presos ao estilo “não me importo”, unhas descascadas, sem lentes de contato. Cada parte do corpo afirma “tive uma semana daquelas e preciso da minha cama”. Ela cruza seu amigo emburrado na frente da namorada e segunda o passo por 1 segundo. Sua falta de paciência se transforma num sinal de silêncio, quando o casal começa a reclamar. A Lu pronuncia uma frase e segue seu caminho. Imediatamente, os namorados se dão as mãos, trocam olhares e sorriem um para o outro.
O Keka fica em estado de choque! Todos entrevistam a Lu que respira fundo para suas últimas palavras do dia “ah, só disse: anjos, relacionamentos são iguais a vida, tem momentos bons e ruins”. A galera se olhou por segundos e mesmo sem entender nada, retomou o clima animado da despedida.
Naquela hora, um único pensamento cruzou minha mente “Às vezes, tudo que a gente precisa é um conselho ruim”. E tomei mais um gole.