O cara do violão

Esta crônica pode salvar a sua vida e os seus ouvidos.

Nunca dá pra saber ao certo onde nascem as lendas urbanas – ou praiana neste caso – mesmo que seja uma tão moderna quanto essa, mas dizem por aí que O Cara do Violão surgiu num churrasco de amigos ou num luau na praia, já que esses são os lugares onde ele mais aparece. 

Por sinal, foi num luau em que o vi pela primeira vez e como a maioria das histórias de terror, essa acontece em uma viagem. Eu tinha lá meus 15 anos e fui pra Paraty com a escola em uma viagem de formatura, então o clima era o melhor possível: muitas piadas, brincadeiras e passeios com uma galera que, depois de um tempo, jamais veria novamente.

Depois de alguns dias felizes, separaram uma noite para reunir todos os alunos na praia – um meio esperto de não deixar um bando de adolescentes soltos e sozinhos pela cidade. Mas também muito ingênuo, já que colocaram o professor de ética para organizar o esquema de vigia, e convenhamos, Sócrates não tem chances contra hormônios de 15 anos. Bastaram 2 mentirinhas, para eu acabar passeando na areia com minha paixonite – jovens, desculpe a palavra gente, mas eu tenho 30 anos. Uma conversa boa, mãos dadas e beijos alegraram a noite. E se soubesse, meu amigo, teria ficado naquele paraíso adolescente pelo resto do tempo, porque quando voltei, tudo estava diferente. 

Ao invés de pequenos grupos separados, havia uma grande roda onde não existiam fofocas e nem pegação, apenas alunos sentados, balançando de um lado para o outro, tentando acertar o ritmo – algo definitivamente errado com aqueles adolescentes. Enquanto a mente amenizava o choque e buscava uma reação do corpo, senti minhas mãos sendo puxadas, dei um passo para trás, mas bastou o sorriso animado da recém paixão adolescente, para que eu fosse arrastado para a roda.

Ali, a energia era muito mais forte, quando sentei, senti minha visão ficando turva, meus pensamentos distantes, e antes da consciência ser completamente tomada por letras do Legião Urbana e Reggaes nacionais, consegui perceber a figura emblemática do Cara do Violão; no começo da roda, sem camisa, com chapéu na cabeça, pés na areia, joelhos dobrados e o violão no colo, dando o ritmo do culto.

Não sei quanto tempo passou até que a espuma gelada de uma onda tocasse minhas mãos, me acordando. Só sei que quando me dei conta, meus ouvidos sangravam e eu murmurava “Valeu a pena, ê ê… pescador de ilusões… “, olhei minha companhia que, com os mesmos lábios que beijei, já cantava em alto e bom som. Não havia mais nada a fazer, eu a tinha perdido. Com as pernas dormentes, arrastei meu corpo pela areia – com minha pouca altura passei despercebido – e quando estava longe, escutei uma frase que até hoje me assombra:

         — Agora só vocês, hein?! – o Chato do Violão deu seu golpe final na plateia.

Acredite, é difícil relembrar e relatar essa chacina musical, mas é o dever de um sobrevivente contar como se manteve vivo depois de tantos encontros com o Assassino das 6 cordas.  

Primeiro de tudo, você precisa saber diferenciar: não é pra fugir de todas as pessoas que tocam esse instrumento, que desde a Grécia antiga, quando surgiu, nos apresentou muitos violonistas e violeiros fabulosos, que carregam sua alma nos acordes e tocam nosso âmago. Toquinho e Zé Ramalho são ótimos exemplos. 

O Cara do Violão é um cantor de churrascaria sem o seu palco, que busca todo tipo de evento social – usando suas palavras – “mais intimista”, para fazer seu show particular de músicas genéricas, e apesar de ser metamorfo – já vi ele assumir a forma de homens e mulheres de diversas cores, profissões, idades… – sua aproximação é sempre a mesma: 

Quando está na praia, a casa desse Maníaco dos Luaus, a abordagem é rápida, já leva o violão “para trazer aquele climinha” e começa a tocar sem ninguém pedir, usando a inconveniência como primeiro acorde. E não adianta lutar, uma música que você gosta será executada depois de um ” lembrei de uma aqui…”. Minha sugestão: invente uma vibe natureza, introspectiva e saia andando pela praia, sem olhar para trás – acredite que vai doer deixar seu amigos para a morte, mas você precisa ser forte. 

Agora, quando está em desvantagem, em um aniversário, por exemplo, ele faz amizade com todos e durante as conversas deixa escapar, sorrateiramente, um “já ouviu a versão acústica desse som?”, ou “bem que podia rolar um Charlie Brown”, “um pôr do sol na praia era tudo que eu queria”. E então, ele espera o tempo que for até:

Tá faltando uma musiquinha mais tranquila… – uma das futuras vítimas fala sem perceber que o Serial Killer de Clima já invadiu sua mente.

Quando você ouvir essa frase, saiba que é a hora de agradecer pela festa até o momento, inventar uma desculpa, pensar em quem merece ser salvo e se despedir dos outros. Não leve muita gente e seja discreto, é provável que te chamem de chato do rolê – o demônio é ardiloso e vai querer inverter a situação com um “ah, você já vai? Fica mais um pouquinho”. Não caia nessa e isso salvará sua vida, porque quando você menos esperar, ouvirá:

         — Por acaso tenho um violão no carro…

2 Respostas

  • Texto muito divertido👏🏻
    Todos têm um amigo na roda que é O Cara do Violão 🤷🏻‍♀️
    Se não tem, trago más notícias….🤭.

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