Esse texto é pra quem ainda respeita a quarentena desde que ela começou.
Outro dia, estava pensando em como nossas vidas entraram em pausa. Em como os acontecimentos que a gente tinha, foram adiados ou cancelados, e não estou falando só de um Rock In Rio, uma Comic Con, nem de viagens planejadas como férias em Recife – que o criador deste texto estava planejando ir e já tinha economizado um tanto e melhor não falar sobre isso – mas das pequenas aventuras cotidianas que trazem a experiência de viver.
Quem nunca foi num churrasco do outro lado da cidade, conectou o celular na caixinha de som e voltou pra casa tarde, suando frio, porque esqueceu que precisava do GPS e a bateria tá só com 5%? E as discussões com a galera do trabalho sobre onde almoçar: tem quem faz campanha pelo lugar barato, os que priorizam comodidade, a galera do “minha marmita, minha vida” e o que nem participa do debate porque foi almoçar em casa. A liberdade de dirigir cantando; o sabor do cafezinho da tarde; a alegria da noite nunca acabar quando você emenda um evento no outro…
Todas essas coisas, meu caro, são provas da vida se apresentando.
E agora o isolamento social transformou ficar em casa em uma grande rotina de “sofá, cama, chuveiro, geladeira” em que nada acontece. Acho que por isso, é tão difícil estabelecer outra rotina – de exercícios, de projetos, de trabalho – seria colocar mais uma rotina dentro da que já vivemos.
Enquanto isso, a Terra ainda gira causando uma enorme contradição na nossa noção de tempo: nosso calendário está funcionando, mas sem a gente. Vou explicar. Desde os primeiros calendários, o lunar da Mesopotâmia e o solar do Egito, a unidade mínima sempre foi “dia e noite” que servem para marcar acontecimentos. Essa parte continua funcionando direitinho: o sol nasce no horário dele, estações bem definidas – a menos que você more em São Paulo – o meu cachorro dorme o dia inteiro. Até aqui tudo normal.
Mas, apesar da contagem das datas continuarem, seus respectivos rituais não. Então, temos aniversários sem festas, Dias das Mães sem almoços em família, sextas com bares fechados e por aí vai. Daí vem aquela estranha sensação de perder tempo, de que o mundo está nos deixando de fora e de que todos os dias estão iguais, e eles realmente estão.
É engraçado perceber em como a arte mostra sua força em momentos assim – contrariando, os desprovidos de inteligência, pra não dizer pior, que a desmerecem – pensa bem, enquanto estamos em casa, nossas companhias são filmes, séries, livros, quadrinhos… Lugares que nos confortam, nos liberam da apatia diária que sentimos com nós mesmos, nos dando histórias e acontecimentos pra viver. Porque na arte, meu caro, a vida nunca deixar de acontecer.