Toda moeda tem 2 lados e num deles, está o futuro de tia carlinha.
Da boca do Fabinho sai o que toda sala tá pensando quando vê a moeda grudada na parede.
— Isso aí é bruxaria!
Tia Carlinha explica alguma coisa sobre energia estática, mas a turma não acredita nessa baboseira de ciência da prof. E sem medo nenhum, na frente de toda turma de meninos e meninas de 10 anos, ela diz:
— Vamos deixar até amanhã!
Ninguém coloca pra fora, mas dá pra ver o que cada um quer dizer pela expressão: “doidinha”, “loucaaaaa”, “nem o Goku consegue isso”. E foi assim que o respeito da nossa querida prof. foi ficar na mão de uma moeda de 50 centavos.
Quando o sinal de fim da aula toca, Tia Carlinha manda a gente voltar pros nossos lugares. Só eu que fico por ali mesmo porque minha cadeira fica do lado da parede.
— Pedro! – Tia Carlinha chama minha atenção e quando vejo estou alí parado olhando.
Sento e já começa a aula de história. Nela, Tia Carlinha fala de um montão de riquezas que o Brasil tinha: “tinha pau-brasil…” A sala dá uma risadinha e a prof. continua “ouro, plantas de todos os tipos…”
Não presto muita atenção porque pelo cantinho do olho ainda tô namorando escondido a moeda e juro que ela me namora também. Mas balanço a cabeça rapidinho e olho pras outras coisas: o cabelo engraçado da Luiza, Vini montando um castelo de borracha, Rita limpando o óculos redondinho com cuspe. “lentes são redondinhas tipo moeda”. “Trimmm”. O sinal toca de novo.
E aí vem a aula de matemática que é meio chata, mas dá pra fazer os exercícios. “Vamos lá, página 26. Primeira conta: fração de 200 sobre 4. Bom, dá 50. Nossa! Dá pra comprar tanta coisa com esse tesouro que está ali grudadinho”…não, não, foca, vamos pro exercício de baixo: 50² é igual a? Essa tá facinho. Imagina moeda vezes moeda. Dá bilhões.”
— 2500 – a sala responde.
“Essa galera não entende nadinha de economia”. A professora começa a explicar sobre os resultados… mas tenho uma dúvida importante:
— Prof., dá pra comprar o que com bilhões?
— Dá pra comprar um montão de coisas – Tia Carlinha responde enquanto a sala faz: “uau”.
Tia Carlinha até que está tá bem calma pra quem pode ir embora a qualquer momento. A prof. fica curiosa: “porque?”
— Por nada não – respondo.
Imagino quanta coisa dá pra comprar com 50 centavos: tipo todos os videogames do mundo, todas as fitas de todos os videogames do mundo, cachorros-quentes, cachorros de todas as raças e ainda coloco tudo isso dentro de um avião de chocolate…
Desperto do meu sonho-acordado com uma ideia: aquela moeda será minha!
Passo o recreio longe dos meus amigos e pertinho do sonho pensando e desenhando planos infalíveis: ser mordido por uma aranha, virar o Homem-Aranha e descer por uma teia na sala; virar o Batman e na calada da noite roubar usando alguma coisa do cinto de utilidades; adestrar formigas pra carregar a moeda pra mim. Até que depois de desenhos, até onde não dá pra contar mais de um tempão fritando a cabeça, cheguei a um plano mirabolante.
Depois das últimas aulas, finjo uma espreguiçada, esbarro na moeda e, antes dela cair no chão, pego ela. Agora vem o próximo passo: sair correndo
Coloco minha preciosa no bolso e…
— E ai Pedrinho! – ouço uma voz feminina
— AAAAAAAAA! – grito, antes de olhar pro lado e ver a Tia Jôse, a inspetora da escola.
— Tá tudo bem, garoto?! Você tá tremendo, apertando a mão, segurando riso, parece que tá com…
— Tô bem, tô bem…
— “dorzinha de barriga” – Jôse sussurra
— Isso, caga – olho para o lado e falo triste – é, tô com caganeira
Vou pro banheiro e tenho que fazer sons de “fazendo cocô”: “uuuuuf”,”arhhh” pra despistar. Entre um e outro, abro a mão, olho a moeda. Está lá perfeitinha, mas também percebo que ela vale bilhões de reais e pode mudar o destino da prof.
“Como você tem poder!”, digo para a moeda e juro, juradinho que ela responde: “se amanhã não tiver lá na parede, a escola toda vai achar que a Tia Carlinha não sabe dar aula e vão mandar ela embora”. Fico arrependido “o que eu fiz?! Preciso te colocar de volta”.
Abro a porta do banheiro devagarinho, ótimo, não tem ninguém no corredor. Ando até a porta da sala e… trancada. Maldita Tia Jôse. “Pensa rápido, Pedro. Primeiro preciso sair daqui antes que mais alguém me veja”
Enquanto ando pela escola, cruzo a cantina e vejo um presente de Deus: uma fila cheia de alunos. “O Tio da cantina não deve decorar quem é quem, serei só mais um e minha moeda também”. Entro na fila e espero minha vez.
“Acho que o menino na minha frente tá com caganeira, tá tremendo todo” – ouço alguém atrás de mim.
Os murmurinhos se espalham e algumas pessoas até deixam a fila, então minha chega mais rápido.
— O que você vai querer garoto? – o Tio da cantina fala por cima do balcão.
— A cantina inteira!
— O que?
— A cantina inteira! – estico meu braço pra alcançar o balcão e arrasto a moeda por baixo da palma da mão.
O Tio da cantina vê a moeda e no lugar de manter segredo começa a rir. Fico cheio de medo e corro dali. Enquanto vou pra longe ouço alguém:
— Olha aí tava mesmo com caganeira, tá correndo pro banheiro.
“Eu ainda preciso me livrar da moeda e está quase na hora da mamãe me buscar. Dar pro Tio da pipoca? Humm…não…ele é amigo das pessoas, vai me denunciar…jogar ela por aí, vai que alguém acha essa fortuna, vai que a moeda debuxa a história dela. É isso JO-GAR!”
“Hoje é dia de ir na locadora de fitas perto de casa e aí posso pegar a coisa mais preciosa, gostosa e cara que conheço: o chocolate ao leite da Turma da Mônica.” Tia Paula nunca vai desconfiar porque eu sempre vou lá com mamãe. E Tia Paula sempre fala sozinha, falar com uma moeda vai ser bom pra ela”
Procuro um relógio digital porque não sei ver as horas nos ponteiros, e percebo que são 11:45, e mamãe me busca ao meio dia. Vou até onde ela sempre me busca torcendo pra essas 3 horas passarem logo. E não é que rapidinho ela chega! Chegou tão rápido que parece que só fiquei 15 minutos esperando.
Cheguei na locadora com água na boca, um sorriso no rosto e a mão tremendo. Depois de dizer que não estava com caganeira pra Tia Paula, pedi o chocolate da Turma da Mônica e…”hummm”.. cada mordida é pedaço do céu. Nada me abala nesses 2 segundos que enfio tudo na boca.
No dia seguinte, chego na escola com os cochichos: “quem pegou?” “onde será que foi?” e ninguém acha de jeito nenhum e ninguém sabe. Chego a dizer “deve ter sido a Tia da limpeza que sem querer derrubou…” mas já confirmaram com ela. Até que Tia Carlinha chama todos e diz “vocês duvidaram tanto de mim que resolvi fazer ela desaparecer e agora vou reaparecer”. Dessa vez alguém diz: “nem o Goku conseguiria”.
Até que Tia Carlinha chama a Rá, estica o braço e tira uma moeda de 50 centavos de trás do ouvido da aluna. Todos, inclusive eu, ficam de boca aberta. Também fico tranquilo porque sei que ninguém vai mandar embora uma verdadeira feiticeira dessa.
No fim dá certo, exceto por uma coisa: além do apelido na escola, estou com caganeira de verdade. E tudo por conta de um chocolate vencido.