The Haters

depois que me conheceu, essa banda se uniu ainda mais e foi pela pior razão.

 

                Da plateia, vejo o mestre de cerimônias pegando o microfone:
                — E agora nossa próxima atração. Na bateria: Giovana! – diz ele animado.
                A fumaça de expectativa sobe no palco, então entra uma moça cujo sorriso é perfeito e tão brilhante quanto seu cabelo loiro e se senta na bateria. Ela faz seu solo de apresentação, 10 gato pingado vibram enquanto eu lembro de como a conheci.
                Num dia, minha amiga Má me convidou pra ir num bar pós-ensaio de quem ela chamou de “a banda mais legal de todas”. Fui me sentar bem do ladinho de Giovana. No começo do papo, já descobri que ela era dentista, então pensei: “Que sorte! Posso unir o útil, a minha curiosidade, ao agradável, me tornar próximo dessa menina tão especial para minha amiga.” Comecei o papo:
                — Que legal que você é dentista. Me deixou de boca aberta — nenhuma reação dela, nem mesmo um fio de cabelo.  Mas eu tinha que manter a confiança. — Você consegue decorar a boca de todo mundo?
                — Sim.
                — De todo mudo mesmo?
                — Sim. A gente gosta tanto do que faz que acaba decorando sem saber.
                — E… já viu algum pentelho enquanto fazia limpeza?
                — Às vezes acontece, viu?! – Giovana abriu um sorrisinho tímido. – Uma vez, fiz a limpeza em boca que tinha 2 pelos pubianos diferentes. Foi durante o Carnaval. Então o moço aprontou bastante.
                Os dois sorrimos e eu continuei.
                — Que engraçado! Igual quando o povo diz que dentista não é médico.
                — Mas é médico.
                — Isso que tô dizendo – engoli seco.
                — Não, não, você disse que não é médico.
                — Eu disse que o povo diz que não é médico, eu não sou uma dessas pessoas.
                — Pois parece e tá ofendendo minha família.
                — Sua família?
                — Sim senhor, minha família inteira é de dentistas, ou melhor, cirurgiões dentistas – ela disse enquanto mudou de lugar e virou de costas pra mim.
                — Eu só disse que… – desisti da frase quando percebi todos olhando feio pra mim.

*             *             *

                De volta ao show, o mestre de cerimônias anuncia:
               — E vem aí, no baixo: Jaque!
                Jaque, uma moça de cabelo azul, toda trabalhada no couro, nos piercings e na pose de roqueira anda até o baixo para seu solo acompanhado da bateria. Lembro também quando a conheci: foi no aniversário da Má que, para todos os efeitos, havia me contato antes sobre a Jaque: “uma menina super de boa, engraçada, leve e que vai gostar de você”. Cheguei no Bar Ricochete, peguei um drink e logo achei a Jaque. Dessa vez, eu tinha estudado e tinha um papo pra começar a conversa:
                — Hey, a Má me falou que você gosta de Punk rock.
                — Nossa! Demais Eu curto muito: Blink, Sum 41, Bring Me the Horizon…
                — Viu que o Green Day lançou novo álbum?!
                — Vi sim, adorei a Kill the DJ.
                — Minha favorita também – eu menti, mas eu precisava
Depois de uns 10 minutos de papo frouxo. Ela até me acalmou:
                — Fica de boa quanto a Gi. Minha irmã é um pouco sensível quanto a esse negócio de dentista.
                — Ufa. Bom que uma irmã ainda gosta de mim.
                — Você é legal, sim, não se preocupa – e sorriu.
                — Mas me diz, seu namorado aceitou abrir o relacionamento?
                — É o que? – de repente um homem, atrás dela, grita indignado – é o que Jaqueline Saraiva? Abrir nosso relacionamento?
                – Ih, olha seu namorado aí! Beleza, cara? – Ele me ignorou, focou só ela que, após tomar um gole da cerveja, instantaneamente, mudou a cara de ” Welcome to paradise” para “21 guns”.
                – Não, amor, eu ia te cont…
                – Quando? Antes de contar pra todo mundo? Até um cara que eu nem conheço sabe disso.
                – Parece que vocês têm muito o que conversar, não é! A gente vê, Jaque – E saí de fininho, mas não sem antes de ser fuzilado por um rápido olhar de Jaque.

*             *             *

                Agora o mestre de cerimônias chama a última integrante: a vocalista e guitarrista. Má entra no palco com sua pele desenhada com segredos de vida, um look que mistura presença com tons de amarelo, sua cor favorita, e cabelo de fogo. Eu a reconheço facilmente. Afinal, faz 15 anos que somos melhores amigos e, por isso, já presenciamos muitas fases de vida – e de cabelo – um do outro. E é por ela que vim hoje nesse festival de bandas independentes.
                Minutos antes fui cumprimentá-la. Por razões inimagináveis, o resto da banda não quis saber de mim. Então conversamos só nós:
                – Nossa, o público tá pouco ainda – eu disse.

                – Eles vão chegar.
                – Será? O show tá prestes a começar.
                – Vai chegar mais gente, você vai ver. Tenho certeza.
                Para melhorar o clima, resolvi fazer uma piada:
                – Ah, mas quem ia ver uma bandinha dessas. Ainda mais nesse no fim do mundo, ninguém liga, né?!
                Eu ri. Má não riu e saiu assim que ouviu o mestre de cerimônias. Este por sua vez finalmente anuncia:
                – E com vocês….
               Eu, sozinho, no meio da plateia, completo:
                – a banda que me odeia
                O show começa.

One Reply

  • Migo, li agora e genteeee arrasou! Tava rindo aqui com o relacionamento aberto e o cara perguntando “é o que?” me lembrou do Maranhão. Adorei as expressões que vc usou tipo ‘toda trabalhada’ e obviamente ‘papo frouxo’ do Didi, haha✨
    Eu adoro como vc descreve os personagens, não só nessa, mas nas outras. Eu realmente imagino eles!

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