O que restou de nós

O retrato de uma geração que está há 2 views do paraíso da desilusão.

Somos a penúltima geração do alfabeto.
Os primeiros a presenciar a esperança da internet de perto.
Nosso aprendizado cresceu na mesma velocidade que nossa ansiedade.


Dizem que escolhas definem nossa identidade,
mas expectativas e arrependimentos nos sussurram em cada encruzilhada.
Por querer tudo, acabamos com nada.
Temos a história do espaço-tempo diante das nossas mãos,
mas nos tornamos supernovas em rota de colisão.


Hoje, vemos o mundo através de barras cromadas e janelas sem vento.
E linhas de prazeres sortidos são a fuga dos micro-tédios que nos atormentam por dentro.
Gravamos “as mentiras recebidas do dia” para alimentar as certezas
que, mais tarde, viram nossas doces sobremesas.

Celas solitárias com seres solitários.
Nosso tempo é uma masturbação digital
onde homenageamos os sofrimentos diários.
Escrevemos cartas de amor em salas de espelhos artificiais.
Procuramos psicólogos, psiquiatras, mas aceitamos mesmo conselhos de profetas de promessas capitais.


Nossa sinfonia de emoções foi reduzida a um som só: o click do like.
A harmonização intelectual é o novo hype.
Cantamos em um só coro de opiniões extremas onde o maestro é a intolerância seguindo partituras de ignorância.


Confundimos nossos discursos com o canto do sabiá sabido
e o espalhamos aos prantos aos cantos para sermos ouvidos.
Menos onde mais importa: a rua.
Na presença da lua, levantamos hashtags de assuntos enterrados
mas sob o sol, não levantamos do sofá onde estamos enraizados.


Somos narciso procurando uma alma gêmea e Ed Gein escrevendo poesias.
Enquanto as inspirações estão expostas como troféus nas residências vazias.
Nos apaixonamos pelo passado que nos entrega rosas postiças
sem saber que a saudade é uma areia movediça: 
quanto mais revirar, mais vai se afundar


Nosso afeto se dividiu entre abraços reais e virtuais
até não sabermos diferenciá-los mais.
Aplicativos nos fizeram perceber que Delivery entrega até cocaína
mas não autoestima.


Vivemos de luto pelos amores e ídolos que assassinamos,
mas sem choro. Assim
não danificamos o touchscreen.
As provas do crime estão cicatrizadas na nossa pele com caneta preta.

Gritamos felicidades, para não ouvirmos nossas inseguranças, 
Mas não adianta 
Não se sentem mais sentimentos trocados.
Assim como somos vistos e ignorados, ignoramos.
Vivemos um cemitério de sentimentos enterrados
pintado em um quadro de rococó.
E suplicamos,
pra que as musas gregas falem por nós


Conectados às tomadas. Desconectados da realidade da situação.
Tão automáticas quanto as câmeras é nossa percepção.

Saímos a noite para encontrarmos ilusões e a solidão.
Transarmos com elas embaixo de lençóis transparentes.
Festejamos com entorpecentes e bebidas
para engolirmos nossas almas feridas.
Pois preferimos as dores de cabeça às do coração.
Para a ressaca, pílulas de notificação, de automedicação.


Nossas fotos têm filtros, nossas palavras não.
Ideias distorcidas e belezas escondidas.
Olhos armados contra um mundo que conquistamos
mas não sabemos em que lugar nos encaixamos


A cada madrugada, ouvem-se sussurros silenciosamente.
somos nós rezando para estrelas decadentes.
E ainda assim, deixaremos um legado eternizado.
Serão lindas e até grandiosas histórias
que só vão durar 24 horas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Todos os comentários passam por aprovação.